Nasci em São Paulo, em 1967, durante a ditadura militar e hoje em dia vivo na cidade do Rio de Janeiro com meus filhos e meu companheiro.
Cresci em uma família de gente simples, de trabalhadores e não universitários, que vieram do interior para a capital devido às transformações econômicas que, a partir do século XIX, alteraram o eixo de uma economia agrário exportadora cafeeira para um centro urbano e industrial.
O pai da minha avó paterna, imigrante italiano, que chegou com 16 anos no porto de Santos em 1870, plantou café no interior paulista onde até hoje meu pai mantém a casa que foi construída em 1905 para toda família.
Eu morei toda infância em São Paulo, em um bairro da zona Sul da cidade chamado Mirandópolis, cujo símbolo é uma Praça da Igreja Católica Santa Rita de Cássia e suas ruas com nome de flores, como Rua das Rosas, Rua das Camélias, dentre outras, ou nomes indígenas como Rua Maquerobi, Rua Itaipu, Rua Caramuru.
Este bairro é contíguo à região outrora ocupada por indígenas, já na descida da Serra do Mar, que foi posteriormente ocupada por colonos portugueses que no Brasil Colônia usavam como passagem para ida ao porto de Santos e Rio de Janeiro, vindo a servir como entreposto para os tropeiros que subiam do porto de Santos trazendo produtos e mantimentos para São Paulo e para outras cidades.
Já no século XX esta região veio a se tornar um importante polo industrial nos anos 70 com a chegada de montadoras importantes como a Volkswagen, Mercedes-Benz, Ford e General Motors, ficando conhecido como o ABC Paulista.
Em 1979, o país ainda mergulhado em uma Ditadura Militar, o ABC foi cenário de uma das maiores greves da história do país, liderada pelo sindicalista Lula e que inclusive serviu para fundação do Partido dos Trabalhadores.
Até o final dos anos 60 algum tipo de crítica ainda era tolerada no Brasil, mas os anos 70 foram marcados pelo controle que o governo militar impôs ao país e a censura representou a marca da ditadura brasileira.
A Ditadura Civil-Militar expandiu a educação brasileira mas sem qualificar. Houve um aumento significativo do número de matrículas na educação básica, mas com poucos recursos e pouca formação docente.
A Constituição de 1967, aprovada pelo Regime Civil-Militar, promoveu duas alterações devastadoras na política educacional brasileira: 1. desobrigou a União e os estados de investirem um mínimo em educação. 2. introduziu a abertura do ensino para iniciativa privada. Paralelamente, transformou radicalmente a estrutura de educação básica no país, tornando obrigatório apenas os 8 primeiros anos e em caso de pobreza as famílias não eram obrigadas a realizar as matrículas de seus filhos. O início da década de 1960 no Brasil foi marcado por uma grande efervescência política. De um lado, o presidente João Goulart, diversos intelectuais e movimentos sociais propunham reformas populares. De outro, militares, empresários e pensadores que se posicionavam contra tais medidas.
Esse segundo grupo promoveu um golpe, depondo João Goulart e colocando em prática um regime autoritário, a semelhança do que veio a ocorrer em outros países da América Latina.
É dentro desse contexto que devem ser compreendidas as mudanças na política educacional do regime militar e a constituição de sujeitos.
Os gastos do Estado com a educação foram insuficientes e declinaram ano a ano, precarizando as estruturas físicas das escolas e alto número de professores leigos contratados.
Embora significativos contingentes das camadas populares tenham tido acesso à escola, foi ofertada a esse público uma educação de baixa qualidade e de segunda categoria.
O Brasil não tinha o número de professores necessários para sustentar a expansão da escolarização no ritmo e na dimensão que ocorreu.
O resultado foi o rebaixamento cultural e a precarização das condições de trabalho dos professores e dos prédios escolares, sem os recursos necessários para o desenvolvimento da educação, tornando-se uma herança perversa do regime militar.
A precarização da escola pública e a queda na qualidade do ensino, combinada com a abertura do país ao ensino privado, fortaleceu a migração dos filhos das elites para colégios particulares. Essa migração fortaleceu as desigualdades sociais e educacionais.
A partir desse momento, cria-se a lógica de que os filhos dos ricos têm acesso a uma educação de qualidade e, portanto, mais chances de chegar ao ensino superior e público, diga-se de passagem, enquanto aos filhos dos pobres resta uma educação pública que praticamente impossibilita sua entrada na universidade.
A intenção do governo era formar os filhos dos pobres até o ensino médio apenas para qualificar a mão-de-obra. A universidade era um local destinado para as elites.
Foi dentro deste clima de culto à pátria e aos valores do Regime, exaltação do nacionalismo presente, apoio moral e dedicação à família, da organização hierarquizada violenta e vertical do ambiente escolar, o impedimento de ações políticas dos estudantes, diferenças na qualidade de ensino de acordo com a classe social, que vivi meus anos de formação primária e secundária.
Como de costume, nas famílias de trabalhadores e não intelectuais, as mulheres se tornavam professoras.
Cursei o Magistério no ensino médio, o que me tornou professora aos 17 anos e habilitada a ingressar no mercado de trabalho, porém completamente leiga.
A esta altura já havia tirado minha carteira de trabalho com 13 anos o que na época significava não apenas ter um vínculo empregatício, mas garantia uma certa segurança uma vez que a polícia definia, em bairros de classe média-baixa e baixa renda, por ter ou não este documento, quem era vagabundo. Assim, com o diploma de professora e a carteira de trabalho, passei a trabalhar para um dia receber a aposentadoria. Cursando o ensino superior a noite, depois do trabalho, me graduei em Pedagogia em 1986.
Mas meu pai tinha uma câmera fotográfica Olympus Trip 35, um modelo compacto, para ser levado nas férias, lançado em 1967 e descontinuado em 84. Eu havia descoberto a fotografia e também a certeza de que queria ser fotógrafa, mas era como me declarar ser um ET tanto naquela família como em Mirandópolis, meu bairro, meu mundo. Até os 16 anos não conhecia a zona oeste da cidade de São Paulo, passava todas as férias no interior ou no litoral paulista, nunca nem eu nem meus familiares haviam saído do país, não falávamos inglês ou francês, fui ao cinema pela primeira vez aos 12 anos assistir King Kong, nunca havia visitado um museu ou teatro, e andei de avião com 18 anos num Electra de São Paulo ao Rio de Janeiro para trabalhar com meu pai. Assim como eu, muitos outros jovens se constituíram com falta de oportunidades, isso quando se sabia que elas existiam, a depender muito de suas redes e famílias.Um jovem do meu bairro, neste exato momento disputa as eleições presidenciais: Fernando Haddad. Irmão mais velho da minha colega de classe, Lúcia, filho de comerciantes libaneses, abastados, foi logo transferido para uma escola particular importante.
Com 19 anos viajei para Londres em busca de formação em Fotografia. Trabalhei como garçonete, babá e faxineira. Estudei dois anos na Sir John Cass College e engravidei. Depois de quase duas décadas trabalhando como fotógrafa, voltei à universidade e me pós graduei em Cinema Documentário, Arte e Filosofia e atualmente sou artista pesquisadora e mestranda do Programa de Pós Graduação da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro.


I was born in São Paulo, in 1967, during the military dictatorship period, and nowadays I live in the city of Rio de Janeiro with my children and my partner.
I grew up in a family of simple people, workers that didn’t go to university, who came from the country side and moved to the capital due to the economic transformations that, since the 19th century, altered the axis of the country’s economy, from agricultural coffee exporters to the urban industrial centrality.
My great grandfather on my father’s mother side,
Italian immigrant that arrived at 16 at the port of Santos in 1870, planted coffee in the countryside of São Paulo, where still today my father keeps the house that was built in 1905 for the whole Family.
I lived my whole childhood in São Paulo, on a district in the South zone of town called Mirandópolis, which is symbolized by the public square with its Cathlolic Church of Santa Rita de Cássia and the streets with flower names, as Rua das Rosas , Rua das Camélias , or indigenous names , as Rua Maquerobi , Rua Itaipu or Rua Caramuru.
This district is contiguous to a region once occupied by the native indigenous peoples, on the way to the sea, and was later settled by the Portuguese that during the colonial years passed through on their way to the ports of Santos and Rio de Janeiro, becoming a market for the troopers that came up from Santos bringing goods and products to São Paulo and other cities.
In the mid 20th century the region becomes an important industrial center, with the installation of big automotive factories as Volkswagen, Mercedes Bens, Ford and General Motors, becoming known as the ABC paulista.
In 1979, the country still under military rule, the ABC becomes scenery to one of the largest strikes in the country’s history, led by union leader Lula which led to the foundation of PT (workers party).
Until the end of the 1960s some kind of critique was still tolerated in Brazil, but the 1970s were marked by the strict control that the military government imposed to the country and censorship was the mark of that time.
Civil-military dictatorship expanded Brazilian educational system, without qualifying it. There has been a significant growth in enrolment for basic education, with very few resources and little tutoring formation.
The 1967 constitution, approved by the civil-military regime, promoted two devastating changes in Brazilian educational policies: 1. Disobliged the state (federal and state levels) from minimal budgets for education. 2. Introduced the opening of education to private institutions, while on the side it radically transformed the structure of basic education in the country, making compulsory only the first 8 years and liberating families, in case of extreme poverty, to enroll their children in schools. In the beginning of the 60s Brazil was undergoing intense political effervescence. On one side, president João Goulart, many intellectuals and social movements were proposing popular reforms. On the other side, the Military, capitalist businessmen and liberal thinkers positioned themselves against such reforms.
This second group promoted a coup that sent João Goulart out of government and started a long authoritarian period similar to what came to happen in other Latin American countries.
It is within this context that the changes in the educational policies of the military regime and the constitution of subjects should be understood.
The state´s expenditures with education were insufficient and declined year after year, making the physical structures of schools precarious and a high number of unprepared teachers hired.
Although significant numbers of poor people gained access to school, the quality of education offered to these people was second class and very low quality.
Brazil didn’t have enough teachers to sustain the expansion of schooling in the rhythm and scale as it was actually taking place.
The result was the lowering of cultural level and precarious work conditions for teachers and also school buildings that, without necessary investment became a perverse legacy from military years.
Decadence of public schools and brutal drop in education quality, combined with the opening of the country to the private school system strengthened the migration of the elite´s children to private schools thus favoring social and educational inequality.
From this is created a situation where the children of the rich have access to good quality education, therefore more chances to reach public university, while the children of the poor must resign to a public education system that practically makes it impossible to enter university.
The government´s intention was to provide the children of the poor only until mid-level, so that it would only qualify them as labor force. University was destined only to the elites.
It was within this climate of patriotic cult and exaltation to the regime and the current nationalism, dedication to moral and family values, violent and vertical hierarchy in the school environment, restriction to students’ political actions, differences in school quality among different social extracts, that I lived my years of primary and secondary education.
As it was usual in non-intellectual workers´ families, women became school teachers.
I went to tutoring school during secondary school, which made me a teacher at the age of 17, licensed to enter the working Market, although completely unprepared.
At this point I already had my working paperwork since I was 13 what those days meant not only a working link but also a certain sense of security as the police also differentiated young people in mid-lower class neighborhoods by their working status.
So, with a teacher’s title and working license I started working so that I could one day retire. After attending university at night, after work, I graduated in pedagogy in 1986.
But my father had an Olympus trip 35 photographic camera, a compact model to be used on holyday trips that was manufactured from 1967 until its discontinuation in 1984. Through this camera I discovered photography and also the belief that I wanted to be a photographer, but it was like declaring myself to be an ET, in the context of that family, in Mirandópolis, my neighborhood, my world. Before turning 16 I had never been to the west part of São Paulo, having spent all periods of holydays in the countryside or small coastal cities. Neither me or any one in my family had been out of the country, we didn’t speak English or French, I went to the movies for the first time when I was 12 to watch king kong, had never visited a museum or a theater, and the first time I was in an airplane it was a flight from São Paulo to Rio in an old Electra to work with my father. Like me, many other young people constituted their lives in this lack of opportunities, when they knew they existed, depending on their families and networks. A young man from my neighborhood is running at this precise moment as candidate for the presidential elections: Fernando Haddad. Older brother of my colleague Lucia, both children of Lebanese merchants, he was soon transferred to an important private high school.
At 19 I travelled to London searching for a formation in photography. I worked waiting tables, also as baby sitter and cleaner. For two years I attended Sir John Cass College and I got pregnant. After almost two decades working as photographer I went back to university and post-graduated in Documentary Cinema, Arts and Philosophy and presently I am an artist researcher attending a master’s degree in the Post-graduation program at the art school at the Federal University of Rio de Janeiro ( EBA – UFRJ ) .

A revolução começa comigo, no interior. / Revolution starts with me, within.
É melhor reservarmos tempo para tornar nossos interiores revolucionários, / Its better we save time to turn ourselves revolutionary from the inside,
nossas vidas revolucionárias, / turn our lives revolutionary,
nossos relacionamentos revolucionários. / turn our relationships revolutionary.
A boca não vence a guerra. / Mouth doesn’t win the war.


Toni Cadê Bambara, Seeds of Revolution: a Collection of Axioma, Passages e Prverbs – BERTH, Joice , O que é empoderamento?
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